Em pequenos aglomerados de cera, o artista paulistano André Terayama tentava equilibrar os mais diferentes objetos. No trabalho sem título, de 2010, os blocos amorfos, irregulares, quase rasteiros, nas mais variadas cores, tentavam servir de base para peças como uma tartaruga (com o casco para baixo), a roda de um carro (presa ao carro), um bloco retangular de argila e o próprio artista. Pensando no processo de construção da escultura de Constantin Brancusi, que consistia em colocar juntos objetos muito distintos (incorporando a base da escultura como parte da obra em si), Terayama estudava naquele momento a possibilidade de equilíbrio de cada um desses corpos em relação aos blocos de cera. As esculturas que até então existiam como possibilidade, na prática duravam poucos segundos. Sem nenhum mecanismo de fixação, o equilíbrio entre as duplas de corpos não se sustentava. Era a fotografia, ao congelar o pequeno instante em que esses corpos se sustentavam, que tornava possível a escultura. Era na fotografia que a escultura existia.
É a partir dessa experiência, realizada há quase cinco anos, que se estrutura a produção atual de André Terayama. Nela estão elementos como diferentes corpos postos em relação, a ideia de equilíbrio e sustentação, e a presença do corpo do artista. Esses são elementos tradicionais da escultura, mas pensados aqui não a partir da definição e formalização clássica desse suporte, e sim como ferramenta para se repensar o que é a escultura e outras possibilidades para a sua realização dentro da produção de arte contemporânea. É só na fotografia que as esculturas de 2010 se tornam possíveis, assim como é na fotografia e no vídeo que sua produção posterior encontra espaço.
Na série Esculturas de segundos (2011) o artista explora as possibilidades plásticas dos materiais do mundo, do nosso dia-a-dia, ao colocar, por exemplo, hastes e prateleiras de uma estante de metal para sustentar seu próprio corpo. A fotografia se apresenta aqui como meio capaz de transformar essas relações fadadas ao fracasso em realidade. É na fotografia que essas esculturas encontram campo para a sua realização, ao tornarem possível que frações de segundo durem no tempo. A ação é a matéria fundamental e ponto de partida desses trabalhos (e aqui é impossível não se lembrar da lista de verbos feita pelo escultor norte americano Richard Serra nos anos 1960), mas não uma ação ilustrativa ou prevista. É uma ação-enigma, da qual só nos é dado a ver um rápido instante. Mesmo quando colocadas em sequência, essas fotos revelam muito pouco dos processos que constituíram as imagens que vemos. A sequência aqui não é narrativa. Não nos dá a ver como o artista chegou naquela posição e muito menos como saiu dela. Ao mesmo tempo que releva uma possibilidade para aquele equilíbrio, nos coloca em dúvida sobre sua existência.
Da mesma lógica se vale a série Strike (para Tatlin) (2012), que desta vez coloca o corpo do artista como matéria escultórica em tensão com o espaço arquitetônico. Em uma homenagem ao escultor da vanguarda construtiva russa, Vladmir Tatlin, Terayama constrói seus próprios contrarelevos de canto ao tentar manter meu corpo em suspensão e utilizar o encontro das paredes como suporte para a ação. A fotografia é o meio capaz de capturar o instante da formação desse equilíbrio. Em Atlante (2013) a relação do corpo com a arquitetura é retomada. Como na mitologia, onde o titãs grego Atlante (ou Atlas) é condenado por Zeus a sustentar os céus para sempre, aqui o artista se mantem equilibrado no batente de uma porta, em uma série de três fotografias que chegam muito perto da escala de um para um, criando quase um duplo do real.
Em paralelo à pesquisa fotográfica, Terayama também realiza trabalhos em vídeo. Em Fúria centrípeta (2012) a ação do artista também é o ponto central do trabalho. A partir do tensionamento de um barbante preso ao chão em uma ponta e um pedaço de carvão atado a outra ponta, ele se desloca a partir dessa estrutura e esse deslocamento vai deixando um rastro gravado no chão com o carvão. A forma final é uma espiral em movimento centrípeto em um pensamento de escultura que flerta com a prática do desenho. Já em Coluna infinita (para Brancusi) (2012), o artista estabelece diálogo com outro escultor, que assim como Serra e Tatlin, também tem sua produção marcada pelo questionamento da ideia clássica de escultura. Neste vídeo, vemos uma série de bancos de madeira serem empilhados no canto da imagem. Um em cima do outro, vão formando uma coluna, que logo alcança uma altura suficiente para sair do enquadramento. Não vemos mais o fim dessa coluna assim como também não vemos a Coluna infinita que Brancusi instala no final dos anos 1930 em uma praça na Romênia. Nesse momento é a vez do artista subir por essa coluna aparentemente infinita, e também sumir do nosso campo de visão.
Investigar essas pequenas narrativas misteriosas e o uso do vídeo para além de um suporte para registro de uma ação são desdobramentos mais recentes, ainda em pesquisa e experimentação, na jovem produção de André Terayama. A dúvida, que movia já seus primeiros trabalhos com cera e seus desdobramentos posteriores, se renova em na busca de uma construção mais complexa da imagem a partir do tempo, do espaço e do corpo – elementos fundamentais para a sua produção.
Julho de 2014.